sexta-feira, 7 de junho de 2013

O Sionismo e Jerusalém - Parte 5

O Plano de Partilha e a Guerra da Independência
Em 1947 os conflitos entre árabes e judeus agravaram-se e a Grã-Bretanha remeteu o problema da Palestina à ONU. A Organização das Nações Unidas - criada recentemente em substituição da Liga das Nações - analisou a situação e propôs a criação de dois Estados separados e independentes: um árabe e um judeu, com a cidade de Jerusalém como um corpo separado, sob administração internacional.
Tal como fizeram 10 anos antes, os árabes rejeitaram a proposta, mas os judeus – mais pragmáticos – decidiram aceitá-la, sabendo que ainda poderiam fazer ajustes nas fronteiras propostas e que teriam de lutar pelo território que lhes fora atribuído e que essa luta possibilitaria o seu alargamento19. Apesar desse pragmatismo, e das esperanças de alargarem o território, não aceitaram a perda de Jerusalém sem dor. Renunciar a Jerusalém foi um sacrifício doloroso, mas tornou-se necessário, pois alguns países da América Latina anunciaram que só votariam favoravelmente o Plano de Partilha se Jerusalém fosse internacionalizada20. Assim, para os dirigentes sionistas ter um pequeno Estado era melhor do que não ter estado nenhum; mesmo que no pequeno estado Jerusalém estivesse excluída.
Quando o momento crucial chegou e a ONU votou favoravelmente o Plano de Partilha, uma onda de alegria invadiu as cidades e vilas judaicas da Palestina. Os Judeus de Jerusalém celebraram efusivamente a votação, apesar de a cidade ter ficado de fora do Estado Judaico. Foi no entanto uma alegria de pouca duração. Praticamente uma dia depois da votação surgiram os primeiros conflitos, com os árabes a atacar os Judeus em Jerusalém e noutros locais. Iniciou-se um período de 5 meses e meio de guerra não declarada com atos de violência e de terrorismo. Os árabes atacavam principalmente localidades judaicas isoladas e a estrada que ligava Jerusalém a Tel Aviv começou a ser alvo de constantes emboscadas que causaram muitos mortos.
Com o passar do tempo os ingleses vão perdendo o controlo da situação e aquilo que começara com ações de ataque árabe e resposta judaica foi-se transformando numa autêntica guerra. A escalada do conflito levou o Conselho de Segurança da ONU a debater novamente o problema a 19 de Março de 1948 e os Estados Unidos anunciaram que a Palestina não poderia ser dividida em virtude do contínuo derramamento de sangue. Os americanos propunham agora que todo o território ficasse sob controlo da ONU21. Estas tomadas de posições por parte dos Estados Unidos forçaram a Agência Judaica e o seu líder, David Ben-Gurion, a prepararem-se para estabelecer um governo provisório, tendo em vista uma eventual declaração unilateral de independência. Alguns dias depois ocorreu um incidente que viria a desencadear a primeira operação militar judaica relacionada com Jerusalém: forças árabes isolaram a Cidade Santa da costa, impedindo a total circulação dos Judeus. A Haganah tentou em vão romper o cerco e a 31 de Março Ben-Gurion declarou que a maior urgência naquele momento era “a guerra pela estrada para Jerusalém”dando início a uma operação militar com o único propósito de libertar a estrada para Jerusalém e pôr fim ao isolamento da cidade: a operação militar Nachshon. Depois de sucessivos avanços e reveses a Operação acabou por ter sucesso e o cerco a Jerusalém foi rompido a 15 de Abril. Logo depois são estabelecidos planos para alargar a área controlada pelos judeus no chamado Corredor de Jerusalém, de forma a dificultar o isolamento da cidade. O conflito intensificou-se com ataques árabes em Jerusalém e com a Haganah a tomar os subúrbios árabes da cidade no início de Maio. Praticamente em cima da data da declaração de independência – entretanto decidida – a batalha pela posse da estrada de Jerusalém para Tel Aviv voltou a intensificar-se.
Durante o cerco árabe a Jerusalém, a Agência Judaica mudou a sua sede para Tel Aviv e esta cidade passou a ser o centro do poder judaico. Na sequência disso, a declaração de independência também foi feita em Tel Aviv e a cidade declarada capital. A mudança da sede da Agência Judaica e a elevação de Tel Aviv a capital de Israel estavam de acordo com o Plano de Partilha aprovado em 1947 que estabelecia Jerusalém como uma cidade Internacional. O judeus cumpriram escrupulosamente o Plano da ONU, estabelecendo a sua capital noutro lugar e desobstruindo a possibilidade de Jerusalém poder ficar com o estatuto que lhe fora destinado.
No entanto, no próprio dia da declaração da independência do Estado de Israel – 14 de Maio de 1948 - o futuro de Jerusalém foi debatido novamente na Assembleia Geral da ONU. Três resoluções foram apresentadas no sentido de colocar a Cidade Santa sob a administração das Nações Unidas. As resoluções foram todas rejeitadas. Grande parte dos votos contra veio das nações árabes que defendiam acerrimamente que Jerusalém não podia ser uma cidade internacional, mas sim uma cidade árabe – apesar de ter uma população maioritariamente judaica desde o século XIX. O chumbo das três resoluções tornou as Nações Unidas completamente incapazes de definirem o estatuto da cidade e teve como consequência o abandono das suas responsabilidades em relação ao assunto.
O desfecho nas Nações Unidas acabou por ser um marco decisivo no estatuto da Cidade Santa: Israel passou a partir desse dia a ter total legitimidade em relação a Jerusalém, e a sua posse passou a depender de um conflito militar e não de um compromisso político como até aí.
Declarada a independência do Estado de Israel, de imediato cinco exércitos árabes invadiram o irregular território israelita dando início a uma guerra. O ponto central do conflito foi Jerusalém, com árabes e judeus a lutarem pela sua posse. A 16 e17 de maio a Haganah tentou sem êxito conquistar a Cidade Velha e a 18 de maio a Legião Árabe entrou em Jerusalém, ocupando a zona oriental e assumindo o controlo da estrada para Tel Aviv. A Jerusalém judaica ficou novamente isolada da costa22. Depois os israelitas concentraram os seus esforços na tentativa de abrir a estrada, cientes que estavam da sua importância para a manutenção de Jerusalém no Estado de Israel. Esta pretensão sofreu no entanto um importante revés com a queda a 28 de maio do Bairro Judeu da Cidade Velha – que era ainda um enclave judaico na parte já tomada pelos árabes. Apesar da capitulação do Bairro Judeu ter sido um duro golpe moral e militar para os israelitas, seria no entanto a última vitória da Legião Árabe no conflito23.
Até ao fim do primeiro cessar-fogo (11 de junho) o Tzhal, entretanto constituído, continuou a tentar abrir sem sucesso a estrada para Jerusalém. Uma estrada alternativa (que ficou conhecida como Estrada da Birmânia) foi descoberta e começou a ser utilizada na ligação a Jerusalém. Esta precária via era o único corredor de ligação entre Jerusalém e a costa pela altura do primeiro-cessar fogo.
Durante a primeira trégua o mediador da ONU para o conflito, conde Bernadotte, elaborou mais um plano de partilha, no qual atribuía aos árabes da Transjordânia o controlo de Jerusalém, dando aos judeus que habitavam a cidade uma autonomia urbana. Tendo em conta a maioria judaica que habitava Jerusalém, o plano foi um recuo para a pretensão israelita de controlar pelo menos as partes judaicas da cidade. Por esse motivo, Israel rejeitou as propostas de Bernadotte. Os árabes procederam de igual maneira porque pretendiam toda a cidade para si e não queriam dar qualquer tipo de autonomia aos Judeus. Este fracasso ditou a impossibilidade de uma solução política para o conflito, centrando-a novamente no plano militar24.
Os combates recomeçaram a 9 de julho, prolongando-se até dia 18. Durante este período os israelitas reforçaram as suas posições no Corredor de Jerusalém e tentaram em vão recapturar o Bairro Judeu. Com a chegada da segunda trégua, que entrou em vigor a 19 de julho, as posições em Jerusalém não sofreram alterações e a cidade continuou dividida entre árabes e judeus. Ambas as partes mantinham as posições já conquistadas: os judeus controlavam a zona ocidental e o Monte Scopus e os árabes a zona oriental, da qual faziam parte a Cidade Velha e os Lugares Sagrados, como é o caso do Muro das Lamentações.
Durante a segunda trégua, que vigorou até 15 de outubro, o Corredor de Jerusalém era ainda uma estreita faixa de terra, bastante vulnerável, cuja principal via se encontrava nas mãos dos árabes. Israel ciente do perigo que ainda ameaçava Jerusalém reforçou a operacionalidade da Estrada da Birmânia.
O reatar das hostilidades em 15 de outubro estendeu-se também a Jerusalém. Apesar disso, as linhas do cessar-fogo definidas no início da segunda trégua não sofreram alterações e Jerusalém permaneceria dividida até 1967. A 30 de novembro viria a ser acordada uma linha de demarcação oficial.
Em abril de 1949 Israel e a Transjordânia assinam o armistício de Rodes no qual ficou garantido o acesso de Israel aos edifícios do Hospital da Hadassah e da Universidade Hebraica (ambos no Monte Scopus, que continuava a ser território soberano de Israel) e o direito de acesso dos judeus aos Lugares Sagrados da Cidade Velha.
O acesso ao Monte Scopus foi permitido, mas muito dificultado, tendo Israel sido forçada a encontrar novos lugares para o Hospital e para a Universidade. Em relação ao acesso aos Lugares Sagrados os árabes nunca o honraram25. Durante o período entre 1949 e 1967, e em clara violação do Acordo de Armistício, os jordanos impediram o livre acesso dos Judeus aos Lugares Sagrados, nomeadamente ao Muro das Lamentações no Monte do Templo e ao Cemitério Judaico no Monte das Oliveiras. O Cemitério do Monte das Oliveiras foi profanado e vandalizado, tendo os jordanos usado milhares de lápides na pavimentação do acesso a instalações militares e na construção de latrinas e de cercas dessas instalações; igual destino teve o Bairro Judeu, onde destruíram ou profanaram cinquenta e oito das suas Sinagogas e o próprio Monte do Templo, que usaram como base militar para a Guarda Nacional Jordana. Todas estas ações foram uma clara tentativa de eliminar vestígios da presença milenar judaica na cidade de Jerusalém. Israel não recebeu qualquer resposta aos apelos feitos à ONU e à Comunidade Internacional, para que se pusesse um termo a esta destruição.
Apesar do desrespeito dos árabes pelos princípios acordados nos Armistícios de Rodes, a situação por eles proporcionada funcionou na prática como uma solução de partilha de Jerusalém, mas tanto israelitas como árabes tinham receio de perder as suas metades. As Nações Unidas voltaram a insistir na discussão de internacionalização da cidade, mas nenhuma das partes já a aceitava. Israel declarava que tinha direito a constituir a sua capital na metade ocidental da Cidade Santa e em dezembro de 1949 Jerusalém foi declarada capital de Israel26,27.
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Notas 
19 – GILBERT, Martin, História de Israel, p.176.
20 – LAPIERRE, Dominique e COLLINS, Larry, Oh Jerusalém, p.23.
21 – GILBERT, Martin, História de Israel, p.192.
22 – LAPIERRE, Dominique e COLLINS, Larry, Oh Jerusalém, p.472 e p.595.
23 – GILBERT, Martin, História de Israel, p.228.
24 – GILBERT, Martin, História de Israel, p.241.
25 – GILBERT, Martin, História de Israel, p.284 e p.310.
26 – LAPIERRE, Dominique e COLLINS, Larry, Oh Jerusalém, p.589.
27 – MONTEFIORE, Simon Sebag, Jerusalém, a biografia, p.528.
PARTE 1, PARTE 2, PARTE 3, PARTE 4.

1 comentário:

John Oliveira disse...

Muito bom, como de costume!

Parabéns,

I.B.