Dos conflitos de
1929 até ao pós-Segunda Guerra Mundial
Apesar dos progressos que estavam a ser
feitos, tanto do ponto de vista político (com a declaração Balfour e a criação
de instituições nacionais judaicas) como do ponto de vista da colonização do
território (com o estabelecimento de novas cidades e colónias), surgiram as primeiras dificuldades no terreno: os árabes da Palestina começaram a
opor-se à pretensão judaica de estabelecer um Lar Nacional na sua pátria
ancestral.
A animosidade árabe contra o sionismo surgiu ainda antes da Primeira Guerra Mundial, mas foi em 1920 que se iniciaram os
primeiros protestos violentos contra a imigração de judeus. Os mais graves
ocorreriam em Jerusalém, onde o Bairro Judeu foi atacado. O mesmo aconteceria
em Maio de 1921 com ataques a vários bairros judeus de Jerusalém e novamente ao
Bairro Judeu em Novembro14. Em 1928 a hostilidade dos árabes contra
os judeus subiu de tom, pois surgiu entre os árabes a preocupação de haver
pretensões judaicas em relação a Monte do Templo. As preocupações da população foram
levadas a sério pelo mufti de Jerusalém que reivindicou a imposição de
restrições ao culto judaico no Muro das Lamentações.
Em 1929 a situação agravou-se. Nesse ano
as orações dos judeus junto ao Muro das Lamentações continuaram a desencadear os
protestos dos árabes e no verão a crescente tensão entre ambas as comunidades originou
um ataque de uma multidão árabe contra judeus desarmados na Cidade Velha. O ataque despoletou uma onda de violência por toda a Palestina,
causando mais de 200 mortos. Estes graves confrontos foram o culminar de uma
série de tensões e conflitos entre as duas comunidades e alteraram
significativamente a relação entre elas.
Os confrontos de 1929 acabaram por contribuir
para uma mudança significativa na abordagem sionista em relação a Jerusalém
porque aceleraram a discussão judaico-sionista acerca da posse da cidade e
colocaram-na no topo da agenda sionista. A partir desta data o movimento sionista
começou a aceitar que Jerusalém não era apenas um lugar sagrado e religioso
para o Povo Judeu, mas também um lugar político, ideológico e até simbólico15.
Os confrontos com os árabes foram importantes
para modificar a abordagem sionista em relação a Jerusalém, mas não foram o
único fator: a vontade da rua judaica
era superior à dos líderes políticos sionistas dominantes, pois a cidade sempre
tivera uma enorme importância para o Povo Judeu; e o movimento sionista passou
a ser menos monolítico com o surgimento do Sionismo Revisionista (de Vladimir
Jabotinsky) que era oposto ao dominante sionismo de inspiração socialista. O
Sionismo Revisionista tinha em relação Jerusalém uma pretensão muito mais
vincada que o Sionismo Socialista, que era mais cauteloso em relação à cidade.
Os Revisionistas davam uma grande importância a Jerusalém e defendiam a posse
judaica dos Lugares Sagrados, nomeadamente do Muro das Lamentações.
Na década de 30 os conflitos entre a
comunidade judaica e a comunidade árabe continuram, atingindo um ponto máximo
em 1936 com a Grande Revolta Árabe. Em 1937 a agitação crescente na Palestina
forçou os britânicos a nomearem uma comissão para averiguar as causas dos
conflitos. A comissão foi presidida por Lord Peel e ficaria conhecida como a
Comissão Peel.
A Comissão Peel, depois de efetuar os
seus estudos no terreno, publicou o relatório onde pela primeira vez é proposta
a partilha da Palestina entre árabes e judeus. O relatório aponta para a
criação de dois Estados, um árabe e um judeu, e uma zona sob controlo
britânico. Segundo a proposta da Comissão Peel, o Estado Árabe ficaria com o
Negev, com a Samaria, com parte da Judeia e com a cidade de Jaffa. O Estado Judeu
ficaria com a Galileia, com a Planície de Hadera, com a cidade de Tel Aviv e
com um enclave a sul de Jaffa. Jerusalém, Nazaré e o Corredor de Jerusalém
ficariam sob controlo britânico.
A proposta não agradou nem a árabes nem a
judeus. Os árabes rejeitam completamente a divisão do território e defendem o
fim da Comissão Peel e do Mandato Britânico. Os judeus aceitam o princípio da
divisão do território, mas não na área proposta pela Comissão Peel16.
Neste sentido, e perante a perspetiva de perderem a totalidade da cidade,
elaboraramuma
proposta detalhada de partilha de Jerusalém. A proposta atribuiu ao Estado Judaico
a parte Ocidental da cidade e exclui a maioria da zona Oriental. Locais com a
Cidade Velha, o Muro das Lamentações, o Monte do Templo, o Cemitério do Monte
das Oliveiras e outros bairros mais isolados ficariam fora da zona judaica. O
único lugar da zona Oriental que surgia incluído na Jerusalém judaica era o
Monte Scopus17. Assim, e apesar de nunca excluírem
completamente a sua pretensão em relação à totalidade de Jerusalém, os Judeus
veem-se forçados a recorrer ao pragmatismo da divisão para tentarem ficar com pelo
menos uma parte da cidade. É certo que esta proposta de partilha surgiu num
contexto de discordância em relação à Comissão Peel – na qual o Estado Judaico
não teria qualquer soberania sobre Jerusalém – mas denota as preferências da
Organização Sionista. Aparentemente a Organização teria tendência para preferir
incluir o Monte Scopus (onde estava localizada a Universidade Hebraica), apesar
da sua problemática localização, em vez de lugares como a Cidade Velha ou o
Muro das Lamentações. A preferência pelo Monte Scopus deveu-se a dois fatores:
ser estratégico em relação às posições árabes e britânicas e os líderes
sionistas ainda estarem muito empenhados em construir alternativas simbólicas
dentro da cidade judaica que privilegiassem a Jerusalém moderna que queriam
edificar, em oposição à Jerusalém antiga.
A proposta de partilha acabou por não
ter qualquer consequência prática e no período que se seguiu até 1939 os
conflitos agravam-se. Nesse ano os ingleses publicam um Livro Branco na sequência
do qual restringem a imigração de judeus e a compra de terras por eles, com exceção
de uma pequena faixa junto ao litoral.
Durante a Segunda Guerra Mundial o
conflito entre árabes e judeus sofre uma acalmia e a Agência Judaica prossegue com
dificuldade a colonização do território. Nessa altura é feita uma primeira tentativa
de colonizar o Negev. Churchill manifesta a Weizmann a simpatia pela ideia que
os judeus possam ficar com toda a Palestina. Apesar da simpatia vigoravam as
ideias do Livro Branco de 1939 e devido à Guerra a questão da Palestina deixara
de ser uma prioridade para os Britânicos. Só com o fim do conflito em 1945
renasceu a esperança sionista de que o Estado Judaico passasse a fazer parte da
agenda internacional.
Nos anos de 1945 e 1946 os ingleses não
alteraram substancialmente a sua política em relação à Palestina: o Livro
Branco de 1939 continuou em vigor e a ideia de criar um Estado Judaico perdia
entusiasmo quer entre os Conservadores, quer entre os Trabalhistas. Neste
quadro grupos como Irgun e o Stern, ligados ao Sionismo Revisionista,
intensificaram a sua atividade perpetrando atentados contra os ingleses.
Em 1946 o governo trabalhista britânico
desfere um golpe nas aspirações sionistas ao anunciar um novo plano de partilha
– o Plano Morrison. O Plano Morrison dividia a Palestina em três áreas: a primeira, correspondendo a 43% do território do Mandato e incluindo Jerusalém,
permaneceria sob controlo direto britânico; a segunda, 40% do território, seria
uma região autónoma árabe; e a terceira, os restantes 17%, passaria a ser uma
região autónoma judaica. As três permaneceriam sob o controlo britânico Os
judeus rejeitaram imediatamente o Plano Morrison, considerando que a área era muito
reduzida, deixando de fora muitas áreas judaicas18,e não previa a
independência de um Estado Judaico.
No final de 1946 a situação dos Judeus na
Palestina era de quase desespero: o Livro Branco restringia a imigração e a
chegada dos refugiados que sobreviveram ao Holocausto e a instituição de
qualquer entidade soberana tardava - situação agravada pelo anúncio do Plano
Morrison. Perante este cenário, os líderes sionistas - Weizmann e Ben-Gurion –
recorrendo a um extremo pragmatismo, prepararam-se para aceitar a partilha do
território, mesmo que tal implicasse um Estado Judaico numa área menor do que
aquela que era reivindicada.
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Notas
14 - GILBERT, Martin, História de Israel, p.64-66
15 - ZAIDA, Sufian Abu, The Zionist Approach to Jerusalém from 1897-1937
16 - GILBERT, Martin, História de Israel, p. 109.
17 - PAZ, Yair, The Zionist Movement and East Jerusalem.
18 - GILBERT, Martin, História de Israel, p.161.