domingo, 24 de junho de 2012

Dois dias em Jerusalém

Estive em Israel há quase dois anos, mas sinto que saí daqui há dois dias. Toda a paisagem deste país continua-me presente. Demasiado presente para o meu espírito eminentemente distraído.
Mas não me deixarei ir atrás de distrações, nem desperdiçarei os dois dias que decidi dedicar a Jerusalém, a cidade sagrada.
Entro na cidade velha através da Porta de Herodes. Da outra vez, entrei pela Porta de Damasco. Vai dar ao mesmo. Quer isto dizer, caros leigos e caros laicos, que entro diretamente no Bairro Muçulmano - mas vou direitinho ao Muro.
Desfeito o deslumbre, próprio de quem se inicia em Israel ou dá os primeiros passos em qualquer país, saltam à vista os defeitos. Também aqui temos vendilhões; desses vis, vigaristas como há em Fátima. Depressa os desejos do visitante deitam por terra as abéculas humanas. A minha Israel é sobretudo uma terra espiritual, despojada de politiquices que só interessam às pessoas que – precisamente por isso e muito mais – não me interessam para nada.
Toco no Muro pela primeira vez. Experiencio um sentimento de chegada. Sentimento que, ao contrário do que é comum quando se chega a qualquer sítio, me possibilita todas as partidas e me permite abrir todas as portas. Por saber atempadamente que, vá onde vá, irei para Israel.
Parto então para o Bairro Judeu. Segue-se a sensação de sempre, seja aqui, seja na Diáspora: a de que estou em casa.
Já à noite, de Guinness na mão, volto a sentir-me em casa; mais do que me sentir na Irlanda, minha ilha adotada, muito mais do que por qualquer sentimento de pertença: pelo aconchego que qualquer Irish Pub traz ao viajante solitário em qualquer parte do mundo. Mais tarde, sentado numa esplanada, a meio metro de uma banda de Jazz, o som do saxofone cimenta-me a certeza de que uma casa quer-se ambulante e à prova do vento, pede-se que se pareça a uma tenda, humilde por fora e com a riqueza lá dentro.

 
Podia começar assim: “ Shalom! Sabe onde se apanha o “tram” que vai para a Palestina?”. E, sem dar tempo de reação ao pobre do interlocutor, responder a mim próprio: “Ah claro! Ainda está para ser inventado um “tram” que vá para uma terra que não consta no mapa”.
Pode parecer uma piada de mau gosto. Mas era o que mereciam ouvir os palermas que se insurgiram contra os israelitas por terem construído a linha do “tram” até à área predominantemente árabe. Chamaram-lhes invasores, imperialistas, todo o tipo de insulto idiota que já se conhece de cor e salteado, que até já consegue cansar a pessoa mais paciente à face de Há`retz. Chamo-lhes, no mínimo, cínicos. Como aqueles senhores que nunca estão satisfeitos. Se está feito é por que está mal feito, se não está feito é por que não está feito. Em que é que ficamos?
Eu cá é que não fiquei quieto. No segundo dia em Jerusalém, apanhei o “tram” na direção da área predominantemente judaica. A orientação do “tram”, reconheça-se, não é inocente. À semelhança da própria orientação de Israel - com uma cidade como Tel Aviv colocada ao ocidente.
Saio nos Montes Scopus. Desço, a pé, na direção oposta à linha do “tram”. Pelo caminho, páro nos pontos que me parecem valer a pena. Parques, museus e pouco mais.
Agrada-me esta linha de “tram”; ou, se quiserem, comboio, ou metro de superfície, tanto faz. Agrada-me o modo como confere uma áurea de modernidade à cidade sagrada.
Chegada a hora do crepúsculo – crepúsculo curto e que, pela primeira vez, me faz sentir saudades do lento pôr-do-sol dos céus do norte da Europa – começo a madura arte de revisitar lugares. Fico-me pelo Bairro Judeu; pois, tal como na vida, também nas viagens impõem-se prioridades. Não me custa tanto deixar para trás o Muro como da primeira vez. Sei que cá voltarei em cada direção dos meus atos e – fisicamente falando – para o ano e a mando da minha namorada.
Mais a mais, ao contrário da outra vez, ainda temos dois dias para desfrutar de Tel Aviv. 

Vítor Vicente editor do blogue Diáspora de Dublin.

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