Estive em Israel
há quase dois anos, mas sinto que saí daqui há dois dias. Toda a paisagem deste
país continua-me presente. Demasiado presente para o meu espírito eminentemente
distraído.
Mas não me
deixarei ir atrás de distrações, nem desperdiçarei os dois dias que decidi
dedicar a Jerusalém, a cidade sagrada.
Entro na cidade
velha através da Porta de Herodes. Da outra vez, entrei pela Porta de Damasco.
Vai dar ao mesmo. Quer isto dizer, caros leigos e caros laicos, que entro
diretamente no Bairro Muçulmano - mas vou direitinho ao Muro.
Desfeito o
deslumbre, próprio de quem se inicia em Israel ou dá os primeiros passos em
qualquer país, saltam à vista os defeitos. Também aqui temos vendilhões; desses
vis, vigaristas como há em Fátima. Depressa os desejos do visitante deitam por
terra as abéculas humanas. A minha Israel é sobretudo uma terra espiritual,
despojada de politiquices que só interessam às pessoas que – precisamente por
isso e muito mais – não me interessam para nada.
Toco no Muro
pela primeira vez. Experiencio um sentimento de chegada. Sentimento que, ao
contrário do que é comum quando se chega a qualquer sítio, me possibilita todas
as partidas e me permite abrir todas as portas. Por saber atempadamente que, vá
onde vá, irei para Israel.
Parto então para
o Bairro Judeu. Segue-se a sensação de sempre, seja aqui, seja na Diáspora: a
de que estou em casa.
Já à noite, de
Guinness na mão, volto a sentir-me em casa; mais do que me sentir na Irlanda,
minha ilha adotada, muito mais do que por qualquer sentimento de pertença: pelo
aconchego que qualquer Irish Pub traz ao viajante solitário em qualquer parte
do mundo. Mais tarde, sentado numa esplanada, a meio metro de uma banda de Jazz,
o som do saxofone cimenta-me a certeza de que uma casa quer-se ambulante e à
prova do vento, pede-se que se pareça a uma tenda, humilde por fora e com a riqueza
lá dentro.
Podia começar
assim: “ Shalom! Sabe onde se apanha o “tram” que vai para a Palestina?”. E,
sem dar tempo de reação ao pobre do interlocutor, responder a mim próprio: “Ah
claro! Ainda está para ser inventado um “tram” que vá para uma terra que não consta
no mapa”.
Pode parecer uma
piada de mau gosto. Mas era o que mereciam ouvir os palermas que se insurgiram
contra os israelitas por terem construído a linha do “tram” até à área
predominantemente árabe. Chamaram-lhes invasores, imperialistas, todo o tipo de
insulto idiota que já se conhece de cor e salteado, que até já consegue cansar
a pessoa mais paciente à face de Há`retz. Chamo-lhes, no mínimo, cínicos. Como
aqueles senhores que nunca estão satisfeitos. Se está feito é por que está mal
feito, se não está feito é por que não está feito. Em que é que ficamos?
Eu cá é que não
fiquei quieto. No segundo dia em Jerusalém, apanhei o “tram” na direção da área
predominantemente judaica. A orientação do “tram”, reconheça-se, não é
inocente. À semelhança da própria orientação de Israel - com uma cidade como
Tel Aviv colocada ao ocidente.
Saio nos Montes
Scopus. Desço, a pé, na direção oposta à linha do “tram”. Pelo caminho, páro
nos pontos que me parecem valer a pena. Parques, museus e pouco mais.
Agrada-me esta
linha de “tram”; ou, se quiserem, comboio, ou metro de superfície, tanto faz.
Agrada-me o modo como confere uma áurea de modernidade à cidade sagrada.
Chegada a hora
do crepúsculo – crepúsculo curto e que, pela primeira vez, me faz sentir
saudades do lento pôr-do-sol dos céus do norte da Europa – começo a madura arte
de revisitar lugares. Fico-me pelo Bairro Judeu; pois, tal como na vida, também
nas viagens impõem-se prioridades. Não me custa tanto deixar para trás o Muro
como da primeira vez. Sei que cá voltarei em cada direção dos meus atos e –
fisicamente falando – para o ano e a mando da minha namorada.
Mais a mais, ao
contrário da outra vez, ainda temos dois dias para desfrutar de Tel Aviv.
Vítor Vicente editor do blogue Diáspora de Dublin.
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