Existe todo um
conjunto de condicionantes para conhecer uma cidade. Um deles dá-se ainda antes
de se estar dentro dela. Trata-se do modo como chegamos.
No caso, chego a
Tel Aviv de autocarro, vindo de Jerusalém. A questão “de onde vimos?” também se
coloca. De onde viemos, onde vivemos, nascemos e crescemos, etc.
Não nos
perderemos com mais perguntas. Ou melhor, que nos seja permitido perder-nos de
nós próprios quando chegarmos à cidade. Entretanto, Tel Aviv chega até nós
através das torres e outros prédios altos afins. Parece New York, essa cidade
que tem que ser chamada pelo nome próprio e que não tem tradução; tão-só
reprodução noutras cidades doutros países, cidades que foram construídas à
imagem e semelhança da capital cultural do mundo.
Qualquer
semelhança entre Tel Aviv e Jerusalém é pura coincidência geográfica. Aqui a
austeridade dos Ultra-Ortodoxos – que, assim chamados, mais parecem ser tomados
por uma claque de futebol – é uma minoria.
Aterrado – ainda
que de autocarro, aterrado – em Tel Aviv, apetece-me praia. A última preguiça
possível, a única à prova contra todos os argumentos para pôr em prática a própria
preguiça.
Saboreio o sol.
Só depois se segue o sal do mar. Mais sol. Eis o ciclo. Eis o sétimo céu de Tel
Aviv. Onde os banhistas desfrutam, indiferentes ao invisível inimigo, do prazer
sem preço da praia. Não, desta vez não me permitirei ser a pior das ameaças: a
auto-ameaça. Nem me mete medo este Mediterrâneo. Toco então no mar, como toquei
no Muro. Sem medo, com respeito.
Tel Aviv, a
tremenda, prossegue o prazer noite fora. À noite, a cidade não é uma extensão
de esplanadas. Antes sim uma extensa esplanada. Onde os anjos têm a sede e
desejo imenso que só se sente, de peito aberto, no deserto.
Está-se-me a terminar Tel Aviv.
Escrevo do bar
Little Prague, em homenagem à cidade onde se me revelou a alma judaica. Assisto
ao começo do campeonato da Europa. A Polónia acaba de empatar com a Grécia.
Fico contente com o resultado; mais golos houvesse de parte a parte, mais
contente ficaria. Gosto de ambas e, do “fundo do meu táxi”, torço por todas e
não sofro por ninguém.
Sentimento afim
tive, esta tarde, na Parada Gay. Colaborei de corpo, alma –e com copo de
cerveja a condizer. Quem me veja, crê que estou pela causa. E estar até estou –
novamente, com copo de cerveja a condizer com o espírito festivo. A celebrar o
supremo sarcasmo de é um evento tão excêntrico possa ser erguido em pleno
Médio-Oriente.
Atente-se: Tel
Aviv acolhe a comunidade gay como ninguém. Até alguns palestinianos perseguidos
se exilam aqui. Até acorrem alguns pró-Palestina que, aqui e ali, aparecem, por
trás das plumas e das penas.
Pena não teria
eu dos parvos que teimam em não reconhecer uma democracia de pleno direito no
estado de Israel. Bem que podiam ir ao Irão, onde, de acordo com um certo
senhor, não há gays, essa “doença do Ocidente”.
Israel só
reconhece aos gays o direito de serem gays, nada mais. Assim como os judeus
querem ter o direito de serem reconhecidos como judeus. Afim reivindicação têm
os artistas quanto ao estatuto de artistas. Apoiado.
Apoiado,
assinado e devidamente assinalado. Mas o meu espírito misantropo não me deixa
ir mais além que uns minutos, entre massas e manifestações. Ponto assente: nutro
um ódio declarado e indisfarçável por multidões.
Precisei de
praia. De uma praia onde pudesse dispor de paz. Onde pudesse transformar a
areia – através da escrita – em areia de deserto. Onde tudo pudesse esquecer.
Onde pudesse escrever contra o próprio esquecimento.
Experiências
assim, sonoras e silenciosas, não se esquecem. Ecoam por toda a nossa
existência. Como um sino, como um suspiro.
Adeus, Há`aretz.
Até ao meu regresso.
Vítor Vicente, editor do blogue Diáspora de Dublin.
Sem comentários:
Enviar um comentário