domingo, 9 de dezembro de 2012

Israel, a Comunidade Internacional e a paz com os Árabes - Parte 3

Por João Monteiro
No seguimento do período de grande violência árabe contra os Judeus de 1936 a 1939, mais uma vez motivado pela recusa dos Árabes em aceitarem a entrada de mais Judeus na Palestina, a comissão de inquérito criada para investigação dos motins de 1936 (Comissão Peel) concluiu que os receios dos Árabes sobre a aquisição de terras pelos Judeus eram infundados, uma vez que a maior parte das terras agora cultivadas eram pântanos e terras improdutivas quando foram adquiridas. Concluiu também a Comissão que a falta de terras se devia mais ao aumento da população árabe do que à terra adquirida por Judeus e que a presença dos Judeus tinha tido como consequência um aumento dos salários, amplas oportunidades de emprego e uma melhoria do nível de vida no território. Foi esta melhoria proporcionada pela imigração de Judeus, que fez com que a população árabe aumentasse, ao atrair imigração principalmente da Síria e da Transjordânia. Finalmente em 1939 a Grã-Bretanha publica o último dos Livros Brancos sobre a situação da Palestina, através do qual dá – aquilo a que se pode chamar – a estocada final no Mandato. 
De facto, se no primeiro Livro Branco após os motins de 1920-21 a Grã-Bretanha reafirmava a Declaração Balfour e o direito de imigração dos Judeus e ainda que a Resolução de San Remo não era passível de ser alterada, com o Livro Branco de 1939, a Declaração Balfour e o espírito do Mandato foram completamente repudiados ao ser proposta a criação de um novo Estado Árabe na Palestina (agora a oeste do Jordão) dentro dos 10 anos seguintes e ao ser restringida ainda mais a imigração judaica para um total de 75.000 nos 5 anos seguintes, com a condição de que, posteriormente, essa imigração só se verificaria com o consentimento dos Árabes. Este Livro Branco foi, naturalmente, rejeitado pela Organização Sionista mas, por incrível que possa parecer e apesar de todas as concessões aos Árabes da Palestina, também estes o rejeitaram. O seu objetivo não era o da criação de um Estado Árabe independente na Palestina e sim que esta fosse parte integrante da Síria mas, acima de tudo, o que pretendiam era uma Palestina sem Judeus. Pode dizer-se, portanto e sem margem para grande discussão que, a partir do momento em que a Comunidade Internacional reconheceu ao Povo Judeu o direito de regresso ao território designado por Palestina – a antiga Terra de Israel – e de soberania sobre o mesmo, se iniciou o conflito que mais tarde ficou conhecido como Israelo-Árabe.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a libertação dos 100.000 Judeus sobreviventes dos Campos de Concentração Nazis aos quais se juntaram mais outros cerca de 150.000 que fugiam de perseguições na Europa de Leste, a questão da emigração de Judeus para a Palestina colocou-se, agora, com uma muito maior acuidade. De facto, quer tivessem convicções sionistas ou não, a Palestina era o único lugar a que esses milhares de Judeus podiam aspirar, uma vez que a sua entrada era recusada pela maioria dos países ocidentais que os podiam receber. No entanto, a Grã-Bretanha continuava a opor-se à entrada de mais Judeus na Palestina mantendo a política do Livro Branco de 1939. Nesse contexto e por intervenção do presidente norte-americano Harry Truman junto da Grã-Bretanha, foi criada em 1945 a Comissão Anglo-Americana para análise do problema. A Comissão apelou a uma mudança de política da Grã-Bretanha e em Maio de 1946 declarou por unanimidade a sua oposição ao Livro Branco de 1939 e propôs, entre outras recomendações, que a Grã-Bretanha permitisse a entrada imediata de 100.000 Judeus na Palestina. No entanto a Autoridade Britânica na Palestina rejeitou essa entrada com a alegação de que ela era impossível dado o clima de guerrilha que se verificava, tanto de Judeus como de Árabes, que perturbava a ordem pública. 
Em Março de 1946, a Grã-Bretanha concedeu unilateralmente a independência à Transjordânia terminando, assim, a acção iniciada em 1922, quando separou para os Árabes aquela parte do território da Palestina. E em Abril de 1946, pela Resolução resultante da última Assembleia reunida para a sua liquidação, a Sociedade das Nações transferiu para a recém criada Organização das Nações Unidas as suas responsabilidades concernentes ao Mandato, responsabilidades essas que foram transpostas para a Carta das Nações Unidas e inseridas no seu Capítulo XII, particularmente no Artigo 80, mantendo, dessa forma, o Povo Judeu, todos os direitos reconhecidos anteriormente pela Comunidade Internacional. Entretanto, em Abril de 1947, a Grã-Bretanha endossou a resolução do problema da Palestina para a ONU, ao considerar a existência de cada vez maior instabilidade no território pelo que, no âmbito da Assembleia-Geral da ONU, veio a ser criada a Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP). A UNSCOP concluiu que o Mandato tinha falhado no seu objectivo de criação do Estado Judeu e recomendou o fim do Mandato e que o território fosse partilhado por dois Estados, um Judeu e outro Árabe. Esta recomendação veio a ser aprovada pela Assembleia-Geral em 29 de Novembro de 1947 através da Resolução 181, conhecida como o Plano de Partilha. A Resolução 181 determinava que o Mandato Britânico terminasse o mais cedo possível e nunca após 1 de Agosto de 1948, estabelecendo também essa data como limite para a retirada progressiva de todas as forças armadas britânicas e que até 1 de Fevereiro de 1948 fosse evacuada uma área do território atribuído ao Estado Judeu, com um porto de mar e com as condições necessárias para receber uma grande quantidade de imigrantes. O Governo Britânico propôs, então, a data de 15 de Maio de 1948 para o termo do Mandato e retirada das suas forças.
Apesar de ficarem sem a Judeia e Samaria (a erradamente chamada Margem Ocidental do Jordão) sem a maior parte da Galileia no norte, sem Gaza e sem parte do Negev no sul, para além de não ficarem com Jerusalém que ficaria sob controlo internacional, os Judeus aceitaram o Plano de Partilha mas os Árabes, não só da Palestina como também dos restantes países árabes, rejeitaram esta solução. 
A aceitação do Plano de Partilha por parte dos Judeus foi movida por duas condicionantes de peso: por um lado, a urgência no acolhimento dos milhares de Judeus a quem todos recusavam abrigo e, por outro, a esperança de que os Árabes aceitassem a sua parte da proposta apresentada e a paz pudesse ser alcançada.
De notar que a Resolução 181, para além de emanar da Assembleia Geral e, por isso, não produzir efeitos vinculativos, constituiu, ainda assim, nova violação do Direito Internacional, ao propor retirar ao Povo Judeu uma parte considerável do território outorgado pelos tratados já mencionados. Segundo Jacques Gauthier, advogado internacional de Direitos Humanos, ela só produziria efeitos à luz do Direito Internacional caso Judeus e Árabes tivessem acordado, por meio de um tratado, estabelecer direitos e obrigações nos termos da Resolução, o que não aconteceu. 
Entretanto, em 16 de Setembro de 1947 face ao clima cada vez mais preocupante de tensão e violência, David Horowitz e Abba Eban, representantes da Agência Judaica (nome para o qual a Organização Sionista havia alterado a sua designação em 1929) tinham feito uma última tentativa de alcançar um compromisso com os Árabes, reunindo-se com o Secretário-Geral da Liga Árabe, Azzam Pasha. Sem rodeios, este colocou-os perante um padrão de comportamento árabe que se haveria de manter até à atualidade: The Arab world is not in a compromising mood. It's likely, Mr. Horowitz, that your plan is rational and logical, but the fate of nations is not decided by rational logic. Nations never concede; they fight. You won't get anything by peaceful means or compromise. You can, perhaps, get something, but only by the force of your arms. We shall try to defeat you. I am not sure we'll succeed, but we'll try. We were able to drive out the Crusaders, but on the other hand we lost Spain and Persia. It may be that we shall lose Palestine. But it's too late to talk of peaceful solutions.7 
De facto, no seguimento dessa reunião, a Liga Árabe deu indicação aos seus estados membros para enviarem tropas para junto das fronteiras da Palestina. E a aprovação da Resolução 181 veio despoletar novos ataques dos Árabes aos Judeus à semelhança dos do período de 1936-39 e, desta vez, com a participação de voluntários vindos dos países árabes vizinhos.
E com o renascimento do Estado de Israel após a proclamação da Declaração de Independência por David Ben-Gurion em 14 de Maio de 1948 para produzir efeitos a partir da meia-noite desse dia, data estabelecida para o termo do Mandato Britânico, apesar de todos os apelos e ofertas de paz e de cooperação da parte de Israel, os exércitos de cinco países árabes, Egipto, Síria, Líbano, Jordânia e Iraque, invadiram de imediato Israel com o objetivo declarado de eliminarem o Estado Judeu à nascença. Da Guerra da Independência que se seguiu até Janeiro de 1949, altura em que um primeiro cessar-fogo foi assinado entre Israel e o Egipto, e Julho desse ano quando o último país árabe, a Síria, assinou também um acordo de Armistício com Israel, resultou para Israel um maior ganho de território do que o proposto pela Resolução 181. No entanto, o Egipto ocupou a Faixa de Gaza e a Jordânia ocupou as províncias da Judeia e Samaria (às quais chamou Margem Ocidental do Jordão) e a parte oriental da cidade de Jerusalém, incluindo a Cidade Velha, território que veio a anexar ilegalmente em 1950. Esta anexação não obteve o reconhecimento da Comunidade Internacional, nem mesmo dos restantes países árabes e apenas do Paquistão e da Grã-Bretanha. Surge, assim, a “Linha Verde” (porque foi marcada a verde no mapa do acordo de cessar-fogo) a “não-fronteira” mais famosa e falada do mundo, na esmagadora maioria das vezes em completo desconhecimento de causa, quando apenas se trata da linha de separação entre os exércitos israelita e jordano à data do cessar-fogo de 1949, nunca tendo sido demarcação geográfica de qualquer território que anteriormente tivesse existido. Por outro lado, nunca foi intenção das partes envolvidas, que alguma vez viesse a ser fonte de direitos e obrigações para ambas, o que se encontra claramente estabelecido no nº. 2 do Artigo II do Acordo de Armistício de 3 de Abril de 1949 entre Israel e a Jordânia: It is also recognised that no provision of this Agreement shall in any way prejudice the rights, claims and positions of either Party hereto in the ultimate peaceful settlement of the Palestine question, the provisions of this Agreement being dictated exclusively by military considerations.
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Notas

2 comentários:

Luís Lavoura disse...

a Palestina era o único lugar a que esses milhares de Judeus podiam aspirar, uma vez que a sua entrada era recusada pela maioria dos países ocidentais que os podiam receber

Para isso contribuiu a atuação das organizações sionistas dos EUA, que pressionaram os EUA para que se estes se recusassem a receber refugiados judeus, uma vez que elas viam esses refugiados como "peões" na ocupação da Palestina.

João Monteiro disse...

Luís Lavoura.
As restrições à imigração judaica por parte dos Estados Unidos resultavam do sistema de quotas existente e o seu relaxamento encontrava oposição quer na opinião pública americana, quer em políticos e membros influentes da Administração, devido a razões de ordem económica ou sentimentos xenófobos ou anti-semitas. Essas restrições foram ainda mais apertadas pelo Departamento de Estado após a entrada do país na Segunda Guerra Mundial. A partir de 1944, quando se tornou conhecida a acção de extermínio dos Judeus pelos Nazis, a Comunidade Judaica Americana pressionou o Presidente Roosevelt a tomar medias no sentido de dar refúgio a esses Judeus europeus. Foi então criado o Conselho para os Refugiados de Guerra que com a assistência do Comité Conjunto Judaico-Americano de Distribuição e o Congresso Mundial Judaico, veio a conseguir a libertação de vários milhares de Judeus da Hungria e da Roménia, de entre outros locais. Mas as mudanças de política de fundo eram demoradas e daí o apelo à Grã-Bretanha para entrada imediata de 100.000 Judeus europeus após a libertação dos Campos de Concentração. Só a partir de 1948 os Estados Unidos vieram a alterar significativamente a sua política de quotas, no que novamente as organizações judaicas americanas desempenharam um papel importante na pressão que exerceram sobre o Governo nesse sentido. Mas nessa altura já o Estado de Israel tinha sido estabelecido. Se bem que todas as organizações sionistas americanas lutassem para que se cumprisse o desejo último da Palestina como destino da emigração judaica para a constituição do Lar Nacional Judaico, a sua ação nos Estados Unidos foi de pressão sim, mas, dada a premência com que urgia resolver o problema desses refugiados, no sentido da sua admissão nos Estados Unidos.